sábado, 9 de abril de 2011

Oficina de escrita com textos próprios e alheios

 Diante do meu copo cheio de uma bebida ligeira,

Um dia que Deus estava a dormir,
Ao virar-me, o meu olhar cruzou-se com um de outro transeunte.
À sombra de boa saúde, lá estava ele. Tinha o sapato desatado...
Um desalinho carinhoso e um cartaz a proibir a entrada.
Logo me apropriei de o querer, num sentimento nu até à cintura.
O desconhecido virou-se.
 - Mas não tem mal Sr., pois maior feito existe em andar nu! - Expliquei-me.
Desde o caos materno - se calhar não lhe expliquei bem - que a criança tão quotidiana é cinzenta!
Mesmo assim, demos as mãos!
Um olhar que me abrangia da cabeça aos pés penhorou os dias em que ficava em casa a fumar e a ler romances. Faltavam-me outras estórias.
O seu discurso era uma espécie de compêndio da História da Humanidade. E começou:
 - As pessoas têm princípio, meio e fim. As pessoas sensíveis não são capazes de matar galinhas, porém, são capazes de comer galinhas. Honesto só houve este tal que morreu de fome! Mas um dia voltaremos a viver como os animais, seremos almas honestas com horas para dormir e comer.
Isso já eu sabia! Por cima do Inferno contemplo eu as flores! Sei bem qual é o final. Eu quero é esse meio.
 - Desculpe, mas sabe o caminho mais curto para me rir?
A mim ensinou-me tudo; manobras de biblioteca mental que nem podiam ser bem descritas. O corre por ali, corta por além, chapinha nas poças de água, brinca com pezinhos enlameados, ensina o gato, sê trolha no telhado; as lições da simplicidade que vivem debaixo do nariz do grande Buda.

Mas ele já não podia mais. Os outros aprendiam a ler para chegar a mestres. E eu também deveria fazê-lo.
E, grata como convém a um deus ou a um poeta, vim-me embora. Triste, porque agora também eu esqueci o idioma do outro mundo que morava no rés do chão do pensamento. Agora eu estou feliz. E só conheço esse idioma.
Continuei a passear sozinha, deixando-o para trás. Quando me virei disse:
 - Tem o sapato desatado!
Confuso, debruçado, ele sorri. E eu segui, esperando que ele o atasse pelo mais dilatado prazo. Assim, também ele esperaria por mim.


Margarida, 12 F

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