domingo, 7 de novembro de 2010

"ESTUDO", de Marin Sorescu

Há muito que suspeitava de mim mesmo
E hoje persegui-me durante todo o dia
A uma distância que evitasse suspeitas.

Pois sabei que sou mais perigoso do que imaginava,
Quando saio à rua, olho à direita e à esquerda
Como se fotografasse incessantemente
As casas, os homens, os postes telegráficos
E todas as riquezas.

Depois, sem reparar
(Talvez para não ser reeconhecido)
Altero a expressão da alma,
O meu rosto é um verdadeiro alfabeto morse
Que transmite constantemente sabe-se lá que segredos
Aos homens da lua que apuram o ouvido para escutarem.

Quando estou sentado à mesa
Rasgo uma folha de papel
Em pedacinhos que, uma vez feitos numa bola.
São imediatamente arremessados ao esquecimento,
O que é muito estranho.

Esta noite descerei no meu sono
Por uma corda que levo para isso no bolso,
Para ver o que ali confessa o indivíduo,
De que se recorda espontaneamente
E - algo mais importante - quem é que
lhe proporciona estas relações entre as coisas.
Depois disso tudo iniciarei
O preenchimento da ficha.

in Simetria.Trad. colectiva. Quetzal. Lisboa. 1997

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