domingo, 24 de outubro de 2010

Treino de Oralidade

1. Leitura:


A Casa

eu conhecia a distância entre as paredes. caminhei muitas
vezes pelo corredor. a sala: o sofá grande, a janela fechada
para a rua, o quadro bonito e antigo: a sala: estas palavras e
este verso podiam ser o corredor se as palavras fossem
a tinta nas paredes: a cozinha: a mãe a contar-me
histórias, a mesa, a água que lavava os talheres, o lume do
fogão. a cozinha era onde estávamos felizes.
quero que a casa fique desenhada:
quarto,      escada ,      despensa,      sala,
casa de banho,      corredor      corredor,
cozinha      cozinha,      escritório.
depois, subia as escadas:
despensa,      quarto,      quarto,
despensa,      corredor,  casa de banho,
despensa,      escadas,     quarto.
depois, descia as escadas.
eu, na cozinha, chamava a minha mãe. a minha voz: mãe.
a minha mãe respondia-me: estou aqui. e estava num dos
quartos de cima. eu subia as escadas para a encontrar.
de manhã, eu acordava e descia as escadas.
sem que eu soubesse, os anos passavam na casa. sem que eu
soubesse, a minha mãe e o meu pai envelheciam. a casa era
toda de claridade e eu não sabia que iria envelhecer assim que
saísse de casa.
havia janelas e havia portas. eu subia para cima de cadeiras
para abrir as janelas. da janela do meu quarto, via o mundo.
sei hoje que poderia ter vivido sem mais mundo do que esse.
sei hoje que transformei o mundo todo nessa casa. chamo a minha
mãe. está num dos quartos de cima. está muito longe. chamo o meu
pai. está muito longe.


PEIXOTO, José Luís. A Casa, a Escuridão. Lisboa. Temas e Debates. 2002


2. Dissertação:

Aung San Suu Kyi (Rangum, 19 de Junho de 1945)

Líder da oposição política no Myanmar, nasceu em 1945, em Rangum, filha de Aung San, o herói nacional da independência da Birmânia que foi assassinado quando Suu Kyi tinha apenas dois anos de idade. Depois de ter vivido em Londres durante alguns anos, Suu Kyi regressa à Birmânia em 1988, ano da morte da sua mãe. O seu regresso à Birmânia, entretanto denominada Myanmar, coincidiu com a eclosão de uma revolta popular espontânea contra o regime, contra vinte e seis anos de repressão política e contra o declínio económico do país. Assim, Suu Kyi tornou-se, em pouco tempo, líder do movimento de contestação ao regime.
            Nesse mesmo ano, morreram 10 000 pessoas como consequência das medidas repressoras adoptadas pelo regime em resposta à revolta popular. O partido de San Suu Kyi e Tin U (Liga Nacional para a Democracia) obteve uma esmagadora maioria nas primeiras eleições multipartidárias, em trinta anos, de 1990 mas as forças militares continuaram a controlar o poder, depois de impedirem os líderes do partido de governar, mantendo Suu Kyi sob prisão domiciliária e deslocando Tin U para o Oeste. A Birmânia continuou assim a ser dirigida pelo general Ne Win num regime militar ditatorial baseado na opressão, na repressão e no controlo. Em 1990, Suu Kyi recebe o prémio Sakharov, relativo à liberdade de pensamento, e em 1991 é galardoada com o Prémio Nobel da Paz.
            Em 1995, o regime decide anular a pena de prisão domiciliária imposta à Prémio Nobel como demonstração de abertura política e democrática à comunidade internacional. Mesmo assim, as liberdades de Suu Kyi continuavam a ser bastante limitadas e controladas. Nos anos seguintes, apelou à comunidade internacional para isolar o regime militar no poder, na sequência da política de repressão e de contínuas perseguições aos activistas da oposição. Em Setembro de 2000, a activista anunciou que iria fazer uma viagem até Mandalay, no nordeste do país, como desafio às decisões governamentais sobre o levantamento da sua pena de prisão domiciliária (que, assim sendo, não a poderia impedir de viajar) foi detida na estação ferroviária, bem como outros membros do partido, e enviada novamente para prisão domiciliária. Desde há 22 anos, quando começou esta luta, Suu Kyi passou 16 em prisão domiciliária.
Algumas reacções da comunidade internacional:
-  Em 2000, o grupo U2 homenageou-a com uma música chamada “Walk On”;
- Em 2003, em Nova Iorque, ocorreu uma manifestação pela libertação de Aung San Suu Kyi;
-  Em 2007, recebeu em sua casa Ibrahim Gambari, enviado pelas Nações Unidas numa tentativa de mediar conversações entre o poder e a oposição;
-   Em 2008, aquando do seu aniversário, cerca de um milhão de apoiantes, liderados por monges budistas, manifestaram-se, em frente à sua casa, contra a junta militar num apelo à democracia;
-   Em 2008, Suu Kyi foi classificada pela revista Forbes como a 71ª mulher mais poderosa do mundo.

3. Improvisação:

 
Improvisação Oral: Casa

Talvez porque te queira definir demasiadas vezes deva começar de forma substancialmente banal: “A casa é onde o coração está”.
Já debitei. Agora
Assumes-te como um espaço, como um ser, um estado de espírito.
Transformas-te, lentamente, numa conquista e amadureces, depois, para uma obsessão. Eu acompanho-te, ao longo do caminho, porque preciso de te viver por dentro.
Seja talvez por te ter figurado em demasia ou por te ter sentido sempre demasiado distante, procuro-te como me procuro a mim; com a mesma cadência frenética, com a mesma esperança deslustrada.
Talvez estas divagações sejam infrutíferas e o que eles queiram mesmo saber é onde é que eu vou depois do trabalho, onde é que me entrego às ocupações e obrigações da vida normal. Talvez te queira explicar por excesso e eles só queiram a minha terráquea morada!
(Não, não…Não vou perder esta oportunidade. Agora que estamos frente-a-frente não te vou deixar por resolver. Senta-te, por favor, temos sobras por conversar…)

Talvez por me teres dito sempre tão pouco
Por, paradoxalmente, me teres acompanhado tanto
Por te ter atulhado com os meus ideais brilhantes
Por seres só a realidade
Por seres a realidade
E por seres a minha realidade
Por ir ter contigo todas as noites
Por seres um acumulado de definições transcendentes que precisam necessariamente de fazer sentido
Por te ter(es) transformado num espaço tão menos físico que mental
Por te ter assumido como um armário de átomos exibicionistas de educações, costumes e tradições
Por te teres domiciliado na minha cabeça, todos os dias, todos os meses, todos os fins-de-semana.

Oh sim…. Os fins-de-semana!
Malditos, esses! Que me transformam numa eremita nómada

Que me tiram a identidade
E ma devolvem, um pouco mais tarde
Que vão brincando levianamente às casinhas
E esperam que eu os escolte
Que me atacam com um carinho sádico por tudo o que fui
O que serei e o que fiquei a dever

Que me transformaram num comboio em movimento
Num terminal de autocarros, numa mochila às costas
Em direcção a um qualquer êxodo cosmopolita
A um qualquer sítio mais confortável
Porque, ao fim de algum tempo, já todos os espaços fazem comichões.


Queria só explicar-te que já não tens o poder todo:
A minha casa sou eu, vazia dos teus materiais
Cheia da minha conduta, da minha moral, do meu lugar intelectual
Invadida pelas minhas nobres pessoas, esquizofrenias e afins
Preenchida pelos meus companheiros, pelas minhas pequenas vidas.

Agora, sinto-me livre…



Vem…. Vem culpabilizar-me à Rua do Ermo Ambulante, no Largo do Despovoado Nómada, no número variável da solidão, no Lugar da Magistral Alienação deste mundo perverso. Mas vê lá é melhor avisares antes, posso não estar em casa…



Ana Sofia Pires, 12ºF

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